janeiro 14, 2009

LUSOFONIA e IDENTIDADE

por
Carminda H. Proença (Janeiro 2009). Publicado na Revista NOVA ÁGUIA, nº3 (1º semestre de 2009)

Para José Marinho e Agostinho da Silva há uma saída possível para a “era do vazio” em que vivemos (1). Uma etapa fundamental desse caminho é claramente apontada no Manifesto do Movimento Internacional Lusófono, nº 9, onde podemos ler:
“9 - …. Embora visemos em última instância transformar a sociedade, a nação e o mundo, sabemos que isso só é possível a partir da nossa própria transformação individual e do seu alastramento contagiante a outras transformações individuais. A este nível, de ninguém dependemos senão de nós mesmos e portanto tudo é desde já possível.”
Pois é. Na actual urgência de transcenção a questão que se coloca aos portugueses é a de busca da sua identidade essencial. Creio mesmo que
não só aos portugueses. Busca ineludível que começa em cada um de nós, seres humanos, e se estende aos grupos, aos povos, à própria humanidade.
Ninguém explorou tão bem as etapas desta busca enquanto processo psicológico que também é, como Edward Edinger (1922-1998) (2) desenvolvendo e completando o que Carl Jung (1875 -1961) designou por processo de individuação.
Eles nos ensinam que a consciência do “quem sou” é uma aquisição feita ao longo da nossa existência, individual e colectiva, condição de auto realização na descoberta dos nossos verdadeiros talentos, ou seja, da nossa criatividade única e essencial posta fraternamente ao serviço.
E é desse processo conducente à amorosa partilha fraterna de talentos e de bens, da alegria que ela gera que nos fala constantemente Agostinho da Silva, utilizando a expressão: cada um tem de cumprir-se.
Ele reafirma incontestavelmente a partilha fraterna dos talentos como a essência da alma portuguesa. Ao fazê-lo abre-nos caminhos para a consciencialização da nossa identidade enquanto povo lusófono e do nosso papel de cidadãos no mundo.
É também por aí que nos conduz à fidelidade ao culto português do Espírito Santo, o próprio Amor Fraterno Vivo ou, como gosto de lhe chamar, a Presença Viva do Amor Maior (3).
A busca de “Quem Somos” é um processo evolutivo com etapas que urge ir reconhecendo à medida que abrimos o caminho por dentro de nós mesmos.
Enquanto povo nascemos neste lugar privilegiado, qual face do grande continente. Nascemos ainda terra, mas logo mar imenso… Mimados pelo fecundo brilho do sol e impulsionados pelo sopro da brisa, desfraldamos velas, construímos embarcações e nelas transportamos corpos, desejos, sonhos, emoções, medos e coragens, saberes e crenças, almas e talentos, mundo fora.
No movimento, tantas vezes repetido, do ir cada vez mais longe e do voltar, semeamos pontes de trocas, de partilha de bens, de corpos e de afectos, de comunicação verbal, tornamo-nos verdadeiramente nos portadores de novos mundos ao mundo conhecido e vice versa.
Tal como individualmente somos levados a revisitar as caves menos conscientes do nosso ser sempre que surgem fases de mal estar, é igualmente necessário e importante revisitarmos enquanto povo, neste momento crítico, os séculos da história já vivida para profundamente sentirmos e relembrarmos ou descobrirmos a identidade colectiva que neles construímos e a que damos o nome de lusofonia.
A identidade colectiva expande a identidade individual de cada um de nós que por ela se torna maior…
Nas memórias do passado vivo fundaremos os alicerces de Ser, ao recuperarmos as forças aí bloqueadas, rescrevendo as nossas escolhas à luz do sonho e da vontade do presente.
A grande identidade que cada povo constrói revisitando traumas, reconhecendo os erros e mobilizando em cada época os seus talentos, é sem duvida um bem precioso pois toda a sua prosperidade, todo o seu bem estar, toda a alegria da sua alma dependerão do discernimento, da atenção e da fidelidade que escolha ter ao mais profundo e nobre do Si mesmo.
Muitos momentos dramáticos certamente existem na nossa história, individual e colectiva. Se a psique - emoções, memórias, impulsos vitais, inteligibilidade – permanece prisioneira dos traumas, dos medos, da raiva, da impotência, a alma fica desvitalizada pois a busca da psique centrada no ego é limitada à satisfação das necessidades mais básicas.
A alma portuguesa foi meio adormecida por inquisição e ditadura que, contrariando a sua natural abertura fraterna e livre, fomentou a denúncia, a intolerância, o oportunismo, a inveja que a cegaram e ocultam a Luz pela qual ela, saudosa, tanto anseia…
Todos sentimos a sua falta mas só alguns persistem na busca do que está encoberto pela neblina da psique… E quem procura sempre vai encontrando….
Para recebermos a luz do espírito é preciso acordar a alma; pois é ela que recebe e não a psique. Só a busca da alma a pode encontrar.
Os que já compreenderam por onde é o caminho podem partilhar a sua busca e a luz que vão descobrindo…
Escutemo-los com a maior atenção enquanto vamos fazendo o nosso próprio caminho.
A abertura da consciência ao reconhecimento da identidade enquanto povo é uma etapa iniludível.
Uma etapa em que pátria se torna mátria, se torna matriz construtiva do próprio ser de cada um. Nela a nossa alma individual se reconhece unida a muitas outras e assim se expande, maior, mais perto de se (re) conhecer e se realizar criativa e fraternamente fecunda. Num afectuoso abraço que não exclui nada nem ninguém, mas antes abarca toda a humanidade.
Para que tal aconteça, no entanto, ensinam-nos os mestres que é necessária essa permanente alternância não só entre o ir e o voltar, mas também entre a expansão no exterior de nós e o recolhimento no mais íntimo do nosso ser. Após todas as obras que longe e fora semeámos, umas melhores outras nem tanto, precisamos de recolhimento, de silêncio, daquela persistente atenção de dentro, para depurarmos, no cadinho do nosso íntimo sentir, as jóias dos tesouros que fomos recolhendo nas aventuras das nossas vidas. E no contraste com os erros e desvios, discernir. E no cadinho da emoção, alquimizar.
Enquanto povo chegou para nós essa hora.
No pós 25 de Abril recolhemos a casa. Conseguida alguma estabilidade de regime, urge agora procurar na memória da identidade colectiva desde sempre construída, as jóias do que de melhor somos e que tardamos em reencontrar.
Não há já ditadores, nem lideranças fortes e prolongadas. Agora somos nós, cada um, o povo desta nossa pátria/mátria. É connosco. Precisamos buscar com mais afinco, rebuscar nos baús os tesouros escondidos que acumulámos ao longo dos tempos e escutar os extremos do que somos: ouvir os melhores poetas e pensadores e também os menos cultos; os mais despojados de riquezas materiais e os mais bem sucedidos na acumulação de riqueza; os mais felizes e os mais infelizes; os mais descrentes e os místicos. Todos e cada um. É no jogo da alternância e dos extremos que nos tornaremos cônscios e capazes de fazer as melhores escolhas, as mais fraternas.
A alma portuguesa ainda dorme esquecida de quem é. Desatenta aos tesouros que juntámos em séculos de história, de busca, de expansão abrangente.

Felizmente, as sementes que semeámos indo longe dão frutos que estão à vista de todos e urge reconhecer. De Timor, do Brasil, de todas as lusofonias chegam vozes que chamam o mundo e devolvem ao mundo os novos mundos em que se tornaram. Exemplos de aceitação do diferente em fraterno convívio.
Esse som tem o condão de nos despertar e incendiar o coração da nossa alma lusa, nela ressurgindo a vontade de partilhar…
Saibamos escutá-l’O pois trata-se agora de acordar a alma para que de novo se abra à luz do espírito e assim se veja e se cumpra, pela presença lusa no mundo:

1- Da língua portuguesa, expressão do sentir mais profundo da Alma Humana na sua linhagem lusa.
2- Do olhar luso: Portugal, face do corpo europeu que na Ásia assenta as suas raízes, olhando o ocidente através do Atlântico que une norte e sul, com compreensão/aceitação do outro no mais profundo da encruzilhada da sua alma, acolhe, expande e partilha(-se) em união.
3- Da alma portuguesa, recolhida e orante, generosa e confiante, aberta e submissa ao Poder do Amor Maior, e não aos poderes menores.
4- Dos talentos lusos que todos reconhecem serem múltiplos, diversificados e criativos, que urge tornar fecundos em obras, em prol do bem comum.

(1) Renato Epifânio “Visões de Agostinho da Silva” Ed. Zéfiro, 2006.
(2) Edward F. Edinger “Ego e Arquétipo, Individuação e Função Religiosa da Psique”. Ed. Cultrix, São Paulo, 1972.
(3) Carminda H. Proença “Aventuras de Ego de Todos Nós no Misterioso Reino da Consciolândia”. Ed. Ecopy, 2008.

1 comentário:

Maria Afonso Sancho disse...

Olá Carminda!
Gostei que tivesses pegado também na Era do Vazio.
bj e saudades
Maria