CAPÍTULO I

 Ego de Todos Nós no ensino básico da Escolinha da Vida 


A Família Todos Nós



RÉS-DO CHÃO

Jovem Ego, Mãe Id e Pai Super 

As Fadas Madrinhas Vontade Intenção 



A Família Psi Dual



1º ANDAR

Os quatro irmãos Psi DualSensualSentimentalIntelectual Intuicional 

As três primas Psi DualEmoçãoRecordação Imaginação 

Os Duendes: ImpulsosAfectosPensamentos Visões 
1ª CAVE

Incônscio Dual e o mundo das neblinas 

Sonho do jovem Ego 



Ego conclui o ensino básico 


Ego de Todos Nós habita o rés-do-chão do Edifíciodeser mais próximo da Escolinha da Vida, onde frequenta o ensino básico. É um edifício já algo antigo, sucessivamente ampliado e remodelado pelas várias gerações de Todos Nós. Não é muito diferente de todos os outros Edifícios que compõem a localidade Egovilla. 

Os coloridos das fachadas e outros acabamentos variam bastante, mas os materiais de construção e o essencial da traça são realmente muito parecidos. Os vidros das janelas reflectem os edifícios vizinhos esbatendo a variedade das cores e tonalidades. Olhando esses reflexos, os diferentes edifícios acabam por parecer muito semelhantes a quem chegue vindo de uma outra localidade. Mas isso, o jovem Ego não sabe, pois ainda nunca saiu deste lugar. 

O país onde vive esta família dos Todos Nós é um “país civilizado” - como gostam de pensar os seus habitantes - pois Acaminhodeser é a mais antiga e nobre região do grande Reino da Consciolândia. 



A Família Todos Nós 

RÉS-DO CHÃO 

Jovem Ego, Mãe Id e Pai Super 

Agora que herdou de seus pais este Edifíciodeser, Ego de Todos Nós recorda saudosamente a feliz infância, mimado pela mãe Id que sempre o aconchegava no seu colinho fofo, desculpando as suas diabruras junto do pai Super mais exigente e ríspido e que lhe parecia muiiiiiiiiito alto sempre que olhava para cima, procurando encontrar aquele pouco de infinita doçura que só ele sabia descobrir no mais fundo do seu olhar…


Sempre achara que nunca conseguiria passar sem os cuidados da sua mãe nem sem a superior protecção que, temeroso, não deixava de sentir com a presença de seu pai. E agora está sozinho, responsável por si próprio e, ainda por cima, com todo um condomínio às costas!!! 


Ego pouco ou nada se interessara, até agora, pelos seus vizinhos dos restantes andares. Para falar verdade ele nem sequer sabe bem quantos são! Ouvira vagamente os pais falarem, algumas vezes, acerca de um ou outro vizinho mais simpático ou mais incomodativo. Mas, francamente, tinha de admitir que nunca prestara muita atenção. 

E agora… teria que se dispor a conhecê-los um a um… É um esforço a que não está habituado. Na Escolinha da Vida que frequenta desde que se conhece, já aprendeu que nem sempre as coisas se mantêm iguais… Pelo contrário, tudo vai mudando e – só agora se apercebe – de repente podemos ter nós, também, que aceitar mudar … É uma ideia que o assusta. Sobretudo agora que seus pais partiram e ficou sem ninguém em casa em quem possa apoiar-se!
As Fadas Madrinhas Vontade e Intenção

Bom – pensa, tentando animar-se – nem tudo são desgraças. Tenho as minhas duas Fadas Madrinhas que sempre aparecem quando as chamo.  

A Fada Vontade foi escolhida cuidadosamente pelo Pai Super quando Ego nasceu; é muito respeitada por todos pela sua serena firmeza, grande bom senso e sabedoria. Ego sabe que tem ainda muito que aprender com ela. Admira-a, digamos mesmo que gosta bastante dela, ao mesmo tempo que sente um enorme respeito como aquele que nos inspiram as pessoas sábias a quem pedimos ajuda quando precisamos. 

A Fada Intenção foi escolhida pela Mãe Id que sabia, no seu coração, que ela e Vontade são duas fadas que se completam bem uma à outra. Ego ainda não consegue perceber bem o poder que elas têm mas lembra-se de os pais o terem avisado muitas vezes que, quanto mais crescido fosse, melhor as compreenderia…



A Família Psi Dual 
1º ANDAR 

Os quatro irmãos Psi Dual : 
Sensual, Sentimental, Intelectual e Intuicional


No 1º andar moram quatro irmãos, os Psi Dual, primos de Ego de Todos Nós. São, de facto, os vizinhos que melhor conhece pois é colega deles na Escolinha da Vida, ali perto de casa. - Certamente poderei também contar com a sua ajuda – pensa Ego.  Os Psi Dual têm todos mais ou menos a mesma idade. 

Sensual foi o que nasceu primeiro, sendo por isso o mais velho dos quatro e praticamente da mesma idade do nosso Ego. Sentimental nasceu logo depois. 

Intelectual, sendo mais jovem é porém muito cheio de pergaminhos e preza muito o seu nome, a que atribui um grande e bem erudito significado, muito para além da compreensão dos comuns mortais!

O mais novo de todos é Intuicional e, talvez por isso, é também o menos Dual dos quatro: tem o poder de vislumbrar o futuro, ninguém percebe como, pois até nem é muito aplicado no estudo, coisa que Intelectual muito censura. 

Desde sempre colegas do Ego na Escolinha da Vida, existe uma certa amizade, talvez melhor, uma certa cumplicidade, entre todos eles. Isso não quer dizer que seja habitual estarem todos de acordo! Os quatro irmãos, bem pelo contrário, discutem até bastante entre si, fazendo jus ao Dual, seu nome de família. Quando lhes pede conselho, o jovem Ego tem muito trabalho para conseguir chegar a um consenso com todos eles! Por vezes tem mesmo que tomar partido e ser ele a decidir, recorrendo à ajuda das Fadas Madrinhas. 

Gosta de consultar todos primeiro mas nem sempre consegue ouvi-los com a atenção que merecem; muitas vezes fica confuso com os argumentos de natureza bastante distinta que cada um deles invoca!
Sensual é grande apreciador de guloseimas e coisas que brilham. Se não se pode comer ou não tem um certo brilho, não lhe interessa; joga fora e parte avidamente à procura de novas sensações.

Sentimental fica muito zangado quando o vê desprezar coisas a que ele próprio já se afeiçoou e que gosta de conservar nas gavetas, nem que seja para olhar de vez em quando e recordar… Gavetas que o irmão Intelectual diz, com ar superior, estarem cheias de inutilidades! O que não deixa de ser verdade – pensa o nosso amigo Ego ao olhar para tão grande acumulação de velharias aparentemente inúteis. 

Intelectual troça muito do que chama de patetices dos dois irmãos mais velhos que, nos raros momentos de tranquilidade, conseguem ouvi-lo com algum respeito, reconhecendo que ele sabe muitas coisas que se ensinam nos livros e é o melhor aluno da sua turma.

No entanto, se algum colega precisa de ajuda… quem está mais disponível é Sentimental que logo vai rebuscar nas suas gavetas e consegue sempre encontrar um qualquer alfarrábio útil ou um agasalho de roupa ou de afecto; nem que seja “só” um ☺ amigo… 

Intelectual aparenta ser vaidoso e um pouquinho orgulhoso mas, no fundo, não é má pessoa. Gosta muito que lhe dêem atenção e reconheçam o seu saber. Ele acha que “vale” pelo que sabe e pela sua reconhecida capacidade de aprender. Quando é preciso preparar uma boa refeição ou fazer qualquer arranjo na casa, ele pode até dar muitas ideias, mas geralmente quem depois se entusiasma para as pôr em prática é Sensual, que assim se revela o mais habilidoso dos três irmãos para as coisas manuais, mais práticas, de ordem material. 

Sentimental fica muito afetado com as disputas caseiras e lamenta-se com frequência, chegando mesmo a choramingar… É muito amigo dos três irmãos e, como tem muita facilidade em sentir o que é mais e menos importante, mais e menos urgente, lá vai conseguindo organizar a vida da casa. Fala com bons modos pelo que é geralmente ouvido pelos outros que prezam o seu discernimento e bom gosto; com frequência lhe pedem opinião pois é bastante sensato. 

Intuicional interessa-se sobretudo pelo futuro! Parece-lhe que nada precisa aprender para de tudo “saber”, tudo descobrir, com ideias que lhe surgem de uma forma espontânea que nem ele próprio consegue explicar… 


As três primas Psi Dual: 
Emoção, Recordação e Imaginação

As primas Psi Dual vêem visitá-los regularmente: são as Senhoritas Emoção, Recordação e Imaginação e dão sempre preciosas ajudas aos quatro irmãos. 

Por este lado o nosso jovem Ego pode estar mais ou menos descansado. Ele conta verdadeiramente com todos os Dual para resolver os pequenos e grandes problemas do dia-a-dia e está a aprender a qual se dirigir preferencialmente, em cada caso. Cada um deles gosta de se afirmar sobrepondo-se aos restantes e isso resulta invariavelmente em discussão. 
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Ego já percebeu que as coisas correm melhor quando todos cooperam com harmonia e de forma equitativa e organizada e esforça-se para que tal aconteça mostrando assim que está a crescer e a aprender como deve cuidar do seu Edificiodeser.


Os duendes: 
Impulsos, Afectos, Pensamentos e Visões


Cada um dos irmãos Psi Dual tem ao seu serviço vários duendes. Durante a noite dormem na cave e durante o dia são inseparáveis dos seus donos. 

Como todos sabemos, os duendes gostam muito de pregar partidas, quais crianças endiabradas. Às vezes, parecem mesmo verdadeiros diabretes, difíceis de controlar e aproveitando a mais pequena distracção de seus donos para agir por conta própria. 

Os Impulsos, servos de Sensual, são muito brincalhões e andam sempre a empurrar toda a gente: são verdadeiros “stressadores” pois não param quietos! Parece que nunca esgotam a energia para agir. Só de olhá-los se fica cansado!  O que eles parecem saber fazer melhor é agitarem-se levando tudo e todos à frente com o seu entusiasmo a que se torna difícil resistir! 

Em criança, Ego divertia-se muito a brincar com eles em loucas correrias. Lembra-se bem da aflição de seus pais, receosos de que tanto movimento resultasse em acidentes ou quedas, o que de facto várias vezes aconteceu. Felizmente, sem muita gravidade pois os duendes Pensamentos, servos de Intelectual, andavam geralmente por perto e conseguiam dar uma preciosa ajuda para prevenir e resolver as situações de maior risco. No entanto, os Pensamentos com muita frequência se alheiam do que os rodeia sobretudo quando estão juntos com as colegas Visões, as servas de Intuicional. 

Quando as primas Emoção e Imaginação aparecem, a excitação aumenta muito e a madrinha de Ego, a Fada Vontade, sempre atenta, tem de intervir dando uma preciosa ajuda a Ego para repor a calma. 

Os mais sossegados de todos os duendes são os Afectos, servos de Sentimental. São muito apreciadores de tudo o que é belo e harmonioso, muito amigos dos seus amigos. Tal como o dono, não são dados a muita agitação; quando se manifestam mais, percebe-se que não são tão tranquilos quanto parecem, podendo revelar-se algo ansiosos e mesmo manipuladores, tudo fazendo para obter e conservar aquilo de que mais gostam. Se não o conseguem, Sentimental fica triste e melancólico, sentindo-se muito só e abandonado. Nessas ocasiões procura a prima Recordação e são capazes de ficar horas a fio falando os dois, revivendo lembranças de glórias passadas ou remexendo nas gavetas de casa dela em busca de boas memórias que o façam esquecer as suas frustrações.

Os duendes Visões são muito criativos. Têm, como o seu nome indica, grandes capacidades de “ver” mais longe do que os outros, no espaço e no tempo, surpreendendo todos com as suas premonições ou estratégias muito abrangentes e que à primeira vista são algo difíceis de entender e aceitar. 

Neste 1º andar quando toca à tarefa de arrumar a casa, bem… sabem como é… cada um empurra para o outro quanto pode!... Ego bem se esforça mas vê-se e deseja-se para conseguir que todos eles, Duais que são, se organizem, se ponham de acordo e mantenham a casa minimamente limpa e arrumada. E como são muitos, acumulam muito lixo. A reciclagem é, por isso, uma das tarefas especialmente importantes que não deve descurar-se neste piso.

Cada andar deste edifício tem muitos compartimentos que alojam os vários moradores. A cada andar pertence ainda uma cave. 


É grande a tentação dos Dual para irem guardando na sua 1ª cave o que já não está mais em uso. É também lá que dormem os seus servos, os duendes; quando falam entre si, estes referem-se a um misterioso personagem que parece ocupar os quartos mais ao fundo da cave e que nunca conseguiram ver senão de forma incerta e fugidia quando estão meio ensonados, o que muito intriga Ego de Todos Nós…



1ª CAVE

Incônscio Dual e o mundo das neblinas

Certo dia, Intelectual ao sair do prédio cruza-se na porta da rua com um personagem meio encapotado de quem não consegue sequer ver a cara. Sabe que ele veio de baixo, da 1ª cave, pois ouviu uma porta a fechar e uns passos surdos a subirem as escadas para o rés-dochão. Nunca antes conseguira vê-lo. Conhece a sua existência porque os duendes falam dele, mas sempre de um modo misterioso. 

Quando lhes fazem perguntas a esse respeito, arranjam forma de se esquivarem à resposta. Talvez porque, na verdade, não o conheçam lá muito bem. O personagem intriga-o. 

Ao serão conversa sobre este assunto com os irmãos que referem já ter ouvido uns barulhos que não sabem identificar e que os deixam curiosos e um tanto receosos...

A Senhorita Imaginação deita-se logo a adivinhar: 
- Se calhar são ratos ou morcegos... Coisa boa não deve ser!  Sensual sente uns arrepios espinha abaixo e Sentimental pensa para os seus botões: deve ser alguém que se sente muito só... 

A Senhorita Emoção fica especialmente alerta sem perceber porque se sente tão agitada e esquisita com a conversa, mas não diz nada. 

- Temos de o conhecer – afirma peremptório Intuicional – e em breve tal acontecerá, quando menos esperarmos. 

Numa coisa estão todos de acordo, o que é raro! Agora que o misterioso habitante da 1ª cave foi visto, a curiosidade aumenta e precisam descobrir mais sobre ele!!! De qualquer modo, cabe ao Ego como proprietário do Edifício contactá-lo e esclarecer a causa dos estranhos ruídos e gemidos... De dor? De prazer? Muito intrigante e algo assustador... Como fazer? 

O nosso amigo Ego convoca uma assembleia de emergência com todos os Dual. Podemos dizer que é a primeira assembleia de moradores, embora ainda reduzida a dois andares, convocada pelo actual proprietário, que se sente muito inchado com esse novo estatuto! 

Excecionalmente, os duendes – Impulsos, Afetos, Pensamentos e Visões - são chamados a prestar depoimento sobre o que observam durante a noite enquanto estão na cave. Mais uma vez, não são lá muito esclarecedoras as explicações que conseguem dar: que se sentem sonolentos logo que lá entram, que o seu sono umas vezes é agitado e outras não, que enquanto dormem passeiam por outras paragens que não sabem onde são… Enfim, tudo muito vago e confuso! 

Pedem então a Ego que bata à porta da 1ª cave e investigue o que lá se passa. Mas... embora sendo o proprietário deste Edificiodeser, Ego sente que lhe falta um bom pretexto e... também talvez um pouco mais de coragem!... Fica, no entanto, resolvido que Sensual ajudará Ego a colocar uma lâmpada no patamar da cave que, como observa Intelectual, por falta de luz parece ainda mais sombria e tenebrosa.


Mas Ego vai adiando...  

Até que um dia - ou melhor, uma bela noite de lua cheia - de repente, todos acordam sobressaltados com um enorme estrondo! Que é isto? Que aconteceu? De onde vem este barulho??? 
Logo em seguida a campainha de Ego toca insistentemente. Temeroso, espreita pelo ralo. São os Psi Dual.  

- Não, não foi aqui. - explica Ego, ainda estremunhado pensando que, afinal, não fora um pesadelo, que houvera mesmo um estrondo, ao mesmo tempo que se sente aliviado por estar acompanhado. 

- Acho que veio do andar de baixo. E o pior é que parece que cheira a queimado! - diz Sensual, logo tomando a dianteira e quase atropelando os duendes que, com ar meio estremunhado e algo assustado, vêm subindo as escadas. Voltam todos a descer. Sensual bate à porta da 1ª cave. Esta abre-se sozinha, lentamente, deixando entrever... ou melhor, não entrever, pois só se via um fumo espesso, como uma densa neblina... 

E agora?! O que fazer?! Cada um está mais perplexo e assustado que o outro. O mais prático e decidido, como sempre, é Sensual: - Cheira a queimado; temos de entrar e ver o que se passa. E logo avança porta dentro acompanhado pelos servos Impulsos, desaparecendo naquele nevoeiro cinzento. Nem deu tempo para ouvir o coro de advertências, seguido de um profundo silêncio de escuta inquieta e só quebrado pelo bater descompassado do coração de Senhorita Emoção.... 

Entreolham-se... Não se vêm chamas. E Sensual que não responde aos chamamentos!... 

- Precisamos encontrá-lo! - diz finalmente Intelectual, a quem seus servos Pensamentos se agarram, aterrorizados, pois não conseguem saber para onde ir. 

- Vamos, vamos! – apoia logo Sentimental preocupado, acompanhado pelos seus Afectos – Podem precisar da nossa ajuda! Ego, embora receoso, não tem outro remédio senão segui-los. 

- Pressinto que vamos descobrir algo muito interessante!!! - segreda-lhe a Senhorita Imaginação ao ouvido, o que lhe dá alento para entrar. Sozinho ali na escada, às escuras (ainda não tinham mudado a lâmpada fundida) é que ele não ficava!!! 

- Não se consegue ver nada... – sussurra a prima Emoção aos ouvidos da curiosa irmã Imaginação, enquanto dá saltinhos muito excitada. 

- Ai! Já bati em qualquer coisa... - Que horror! Faz-me lembrar teias de aranha! – diz a prima Recordação que é quem mais se lembra sempre de tudo e, por isso mesmo, se dá muito bem com o primo Sentimental com quem passa longas horas a conversar.

Intelectual e os seus servos, os Pensamentos, também recorrem com frequência à sua ajuda. Queriam avançar movidos pela curiosidade e a excitação do mistério a desvendar mas, ao mesmo tempo, pensavam que preferiam nunca terem entrado ali!  

Todos os membros da Família Psi Dual são assim: ambivalentes e cheios de contradições e dualidades. As exclamações seguem-se umas às outras, em voz surda, à medida que avançam cautelosamente... 
Onde estarão Sensual e os duendes Impulsos? 

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Entretanto, Sensual está perdido. Não vê nem ouve nada e não sabe, sequer, em que parte da casa se encontra. Começa a ficar assustado e com dificuldade em respirar no meio do fumo. Sente-se esvair: - O que me está a aconte....” E os Impulsos, desnorteados, não fazem mais do que se agitarem à volta dele, ao veremno desfalecer.

Ego abre duas pequenas janelas junto ao tecto, por onde o fumo vai saindo. Então, dão-se conta de que se trata de um fumo estranho, meio cinza-esverdeado, meio alaranjado e com um cheiro forte e esquisito que não sabem identificar... Apercebem-se que vem da chaminé da lareira, espalhando-se rapidamente por toda a cave. 

Pouco depois, vislumbram os Impulsos aos saltos. Aproximam-se e encontram Sensual desmaiado. Recupera lentamente a consciência ao ouvir chamar o seu nome. Sente-se como se tivesse passado muito, mesmo muito tempo, como se estivesse saindo de um sono profundo, regressando de um outro mundo... um mundo de fantasia, de mistério, de desconhecido... 

- Que me aconteceu? - pergunta, ao recuperar a fala.

- Como vim aqui parar? Está, obviamente, muito confuso. O facto de não se encontrar no seu ambiente habitual aumenta ainda mais a sua desorientação.

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- Que se passa aqui?! - pergunta uma voz surda e grave, mesmo atrás deles.

Deram todos um pulo, cheios de susto!!! Absortos e ainda meio estonteados pelo intrigante fumo, não se tinham apercebido da presença do misterioso personagem que, como sempre, se apresenta coberto com uma capa comprida e escura que lhe ensombra a cara. Os olhos, no entanto, brilham e são tão penetrantes!... 

- Ouvimos um estrondo e viemos ver o que se passa... Encontrámos a porta aberta e a casa cheia de fumo... - apressa-se Intelectual a explicar. É ele quem geralmente revela mais presença de espírito nas situações embaraçosas. 

– Eu sou o seu senhorio, chamo-me Ego e moro no rés-do-chão. - disse Ego, estendendo timidamente a mão, num gesto de simpatia.

- Eu sou Incônscio Dual – responde o encapuçado, apertando a mão a Ego e acenando aos restantes. Não precisam de se preocupar. O barulho que ouviram veio do andar aqui por baixo, onde mora o Sr. Al Quimista. Gosta de brincar com o fogo e provoca pequenas explosões na lareira... Esta noite exagerou um pouco e por isso fui lá abaixo falar com ele. Durante o dia gosto de dormitar, pois é nessa aparente tranquilidade e sonolência que interiormente mais me sinto vivo e ativo. 

As coisas que Al Quimista inventa, alimentam as minhas próprias fantasias. Mas tudo tem limites! As experiências que faz podem causar danos apreciáveis. Quando fica muito tempo isolado e entregue a si próprio, tende a exagerar. 

- No fundo, nem é má pessoa – continua – e eu já estou habituado! Até me pediu desculpa. Nas noites de lua cheia como a de hoje, reúne lá em casa alguns colegas das 2ªs caves dos edifícios vizinhos e deixaram-se levar pelo entusiasmo a ponto de se esquecerem que as reacções explosivas que provocam podem tornar-se destrutivas, uma vez que as caldeiras do aquecimento central do prédio estão nas caves deles. 

São eles os seus guardiões pois desde tempos imemoriais que estas famílias trabalham com o fogo, na sua dupla função de aquecimento e de transformação de substâncias, como alimentos e outros elementos químicos. Trabalham a lenha e toda a matéria, procurando refiná-la, libertá-la das suas impurezas, transformá-la em cristais. 

Diz-se que são alquimistas e que buscam obter o ouro, a pura luz... Muito do lixo de Edifício é reciclado nas suas fornalhas. 

Estas palavras não são tão tranquilizadoras para Ego e os Dual, como pretende quem as profere. E também acham um tanto confusas as experiências dos alquimistas, aquela ideia de estar mais vivo quando meio adormecido e a busca de um ouro que é luz?!... 

Entretanto, os duendes que pela primeira vez se encontram assim tão despertos face a face com o dono da casa, estão como que hipnotizados, de olhos esbugalhados e tentam perceber o que se está a passar, mas sem grande sucesso. 

- Agora é mais urgente assistir a Sensual. – lembra Recordação. 

Todos são poucos para o transportar para o 1º andar, onde volta a adormecer com seus servos Impulsos deitados aos pés da cama, não sem antes tomarem todos um copo de leite por causa da intoxicação com o estranho fumo que inalaram e que parece ter o condão de lhes provocar visões extraordinárias de cenários com formas e cores estonteantes. 

- Ele está bem. Só precisa de dormir. - diz Intelectual que estudara algumas coisas sobre drogas e seus efeitos. - Pena que não tenhamos percebido melhor o que afinal se passa na 2ª cave! 

E, dirigindo-se ao Ego: 
- Como senhorio tu precisas tomar providências com estes foliões manipuladores de substâncias perigosas!!! Não admira que os duendes sejam tão imprevisíveis, todas as noites em contacto com os ambientes estranhos da 1ª e 2ª caves! 

- Estes aprendizes de feiticeiros podem pôr-nos em perigo a todos! - alerta a prima Emoção, dividida entre o entusiasmo e o receio. Ainda sente o coração aos pulos com a excitação desta aventura que a deixou arrepiada e com os cabelos em pé. 

Cansados de tanta acção e cheios de sono todos concordam que o melhor a fazer agora é irem deitar-se. Todos, sem excepção, adormecem profundamente assim que caem na cama entrando num espaço desconhecido e estranho que parece povoado de ogres e dragões que os assustam, e de magos e fadas que os encantam... 

Das poucas coisas que conseguiu vislumbrar na 1ª cave, Ego recorda uma placa logo à entrada, onde está escrito em letras rebuscadas e esbatidas: “Bem-vindos ao mundo dos Sonhos!...” 

Ego mal pode acreditar no que acabou de viver. Mas o cansaço leva a melhor e logo adormece. Mal fecha os olhos porém, a imagem da placa de boas vindas volta a surgir, logo seguida de outras e outras...
Sonho do jovem Ego

Adormecendo, Ego regressa à cave e entra num mundo onírico, irreal... Antes de mergulhar completamente no sono ainda tem tempo de pensar: afinal estou a gostar desta aventura da descoberta dos meus vizinhos! 

Percebe então que está a ser conduzido por Incônscio Dual para a cave de Al Quimista e deixa-se levar... 

Os duendes ensonados acompanham-no, bailando à sua volta numa dança estranha, sem padrão, que o entontece... 

A partir daí, ele já não é o mesmo Ego, nem pensa, sente ou age da maneira habitual. É quase como assistir a um filme. Só que, estranhamente, além de assistir, também se sente implicado de um modo desconhecido... 

Como se ele fosse ao mesmo tempo, espectador, produtor e realizador mas sem propriamente comandar a acção!!! Coisa estranha... 

E há mais: as leis físicas que aprendeu na escola e que regem a matéria e a realidade visível no estado de vigília parecem não funcionar na forma como, neste mundo do sonho, se sucedem os cenários e se desenrola a acção. Tudo aqui é outro tipo de realidade, com outras leis, outras formas de vida e de comunicação! 

Já antes sonhara, claro. Tivera mesmo pesadelos e muitas vezes chamara pela sua mãe, a Sra. Id, que logo vinha sossegá-lo pegando-lhe ao colo. E como era doce o seu colo... Que saudade! 

Mas agora, ao aproximar-se da 2ª cave, é diferente. É sonho. Não tem dúvidas, não está acordado. Mas... parece tão real! Tão nítido que irá lembrar tudo nos mais pequenos detalhes quando acordar. Tem a certeza.  

- Foi um sonho lúcido – explicou-lhe mais tarde o Mestrescola. 

Geralmente, ao tentar recordar os sonhos que tem durante a noite, Ego só consegue rever, na sua visão interior, alguns detalhes parcelares, esbatidos e desconexos. No entanto, na maior parte dos casos, é bastante evidente para ele que os conteúdos dos seus sonhos se relacionam de forma algo deturpada com os acontecimentos do dia anterior, com as suas preocupações ou emoções mais recentes, ou seja, com as aventuras de Impulsos, Afectos, Pensamentos e Visões durante o dia. 

Também existem alguns temas recorrentes que costumam surgir em sonhos mais do tipo pesadelos e que parecem reflectir os seus receios mais primitivos, mais profundos: monstros, situações de perigo, de ameaça, em que se sente só, impotente e sem ajuda, tal como nesta situação em que, tão jovem ainda, já se defronta com a responsabilidade de um condomínio às costas! E… que condomínio!!! 

- Todos esses são sonhos fabricados em casa de Incônscio Dual – explica Mestrescola. – Mas os sonhos lúcidos vêm da 2ª cave… Mais tarde irás perceber melhor. 

A incursão noturna à 1ª cave impressionou-o fortemente embora não saiba bem explicar porquê...  Lembra-se do que disse Incônscio Dual e, no dia seguinte, arranja maneira de ficar sozinho em silêncio e na penumbra, sem que ninguém o incomode; fecha os olhos e deixa que toda a sequência das imagens da noite anterior desfile de novo na visão interna, procurando encontrar-lhes um sentido. 

Atravessa um denso nevoeiro de onde emergem sombras ameaçadoras, tudo com uma realidade nunca antes experimentada. Vozes e vultos murmuram sons incompreensíveis, uns simplesmente intrigantes, outros vagamente aterrorizadores...  A sensação de impotência não é, no entanto, tão grande como antes. Todo aquele ambiente tem agora algo de familiar... 

É isso!!! Á medida que avança por entre aqueles cenários e personagens, apercebe-se que eles são habitantes do seu próprio ser! 

Os duendes são os protagonistas mais activos, embora mudem muitas vezes de aparência e nem sempre seja fácil reconhecê-los. Mas agora “vê” isso com clareza: pertencem-lhe. Nos sonhos podem até aparecer como reflexos distorcidos de impressões que teve quando acordado, oriundas do meio exterior, umas mais agradáveis e até bem estimulantes, outras nem tanto… 
Mas no sonho algo nele se apropria delas, as altera, as reconstrói e as “revive” interiormente, carregadas de uma forte energia que lhe faz lembrar a que sempre sente na companhia da prima Emoção!!! 
- Por isso – lembra-se – Emoção se sentiu tão esquisita, tão “activada”, nesta cave...


Ego conclui o ensino básico

Os “nebulosos” acontecimentos da noite anterior e desse dia tornam “claro” para Ego que uma parte importante dele próprio tem uma existência autónoma que se manifesta e revela fora do estado de vigília habitual. 

Mestrescola explica-lhe que é o lado inconsciente da sua psique que está sendo ativado e reconhecido por ele. 

- Então – pergunta Ego – os 1ºs andares de todos os Edifíciosdeser da Egovilla são habitados pela psique consciente dos Egos seus proprietários? E as 1ªs caves, pela psique inconsciente? 

- Sim – explica Mestrescola – no 1º andar e na 1ª cave trata-se da psique individual, particular a cada um dos Egos de Todos Nós. Mas existe também a psique colectiva, comum a Todos, que irás conhecer melhor quando visitares os 2ºs andares e desceres à cave de Al Quimista. 

Percebe agora que, provavelmente, quanto mais aceitar a descida às caves e tomar contacto com os seus habitantes, mais e melhor se conhecerá a si mesmo, aos seus medos, às suas inseguranças, aos seus desejos mais escondidos e necessidades menos conscientes, aos motivos dos seus comportamentos, sobretudo das suas reacções mais inexplicáveis. 

É então que agradece intimamente a Incônscio Dual tê-lo recebido na sua cave. A visita ao andar de baixo foi, sem dúvida, um acontecimento muito importante. – pensou. 

- Com a tomada de consciência da tua vida psíquica individual, consciente e inconsciente, terminas a aprendizagem escolar básica – diz Mestrescola. - Se quiseres, podes agora trabalhar a tempo parcial na biblioteca da nossa Escolinha.  Ego aceita de bom grado. Essa situação permite-lhe prosseguir os estudos e facilita-lhe o acesso a todo um universo de conhecimentos pelo qual sempre se sentiu muito atraído. 

- A partir de agora vou procurar livros que me guiem nesta aventura! E vou dar mais atenção a todos os meus sonhos, para entender, à luz dessa linguagem interior tão particular, o que os conteúdos oníricos me podem revelar sobre o que se passa na minha psique. Isso vai seguramente ajudar-me a perceber o que preciso para me sentir melhor e mais feliz. 

É então que Ego toma uma decisão que vai modificar a sua visão do mundo para sempre: 

- Vou pedir a Incônscio Dual que me leve a casa de Al Quimista, na 2ª cave. Quero conhecê-lo melhor. 
Não lhe saia da memória aquele sonho diferente – o sonho lúcido – que Mestrescola dissera ser um sonho da 2ª cave. 

Intuicional e a prima Imaginação também acham que Al Quimista pode ajudá-los a perceber o sentido de todos os seus pressentimentos e divagações. 

Depois de reflectir maduramente, Intelectual aconselha Ego a visitar primeiro os vizinhos do 2º andar e só depois descer à misteriosa 2ª cave.  Ele lá sabe porquê, acha Ego, que resolve seguir o seu conselho. Aprendeu a confiar em Intelectual que muito o ajudara a preparar-se para o exame final do ciclo básico da Escolinha da Vida, onde fora tão bem sucedido. E mais convencido fica quando Intuicional concorda. Nem sempre os dois estão de acordo por isso - pensa Ego confiante - vou seguir o conselho deles.

- Curioso – medita. Parece que os andares do meu condomínio correspondem aos níveis de escolaridade da Escolinha! Frequentei o nível básico enquanto explorei os 1ºs andar e cave. E a minha admissão no nível secundário é síncrona com a minha exploração dos 2ºs!... 

Esta ideia deslumbra-o. As associações entre esses dois “lugares” tão fundamentais para ele aparecem-lhe em catadupa, abrindo-lhe novas compreensões do paralelismo entre a exploração do mundo interno e do mundo exterior.  

- As vossas experiências na exploração dos “espaços”, interno e externo, fazem com que, ao expandirem-se, eles tendam para a união e se globalizem como uma única e mesma realidade! É um fenómeno que está na origem do que chamamos sincronicidades. – comenta Mestrescola, acrescentando – Sim, tens razão. A exploração do 2ª andar corresponde à frequência do ciclo secundário na Escolinha da Vida.


Que iria ele agora descobrir e aprender?

Ler Capítulo II

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